quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Entrevista com o filósofo Renato Janine Ribeiro

Entrevista que fiz com Renato Janine Ribeiro, para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC, em 2005. Janine Ribeiro é um dos mais atuantes intelectuais brasileiros, professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP),na época diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Jéferson Assumção - O senhor fala, em “Sobre o sentido público do ensino universitário”, do conceito de apropriação social do trabalho acadêmico. Por que ele é importante em uma discussão sobre universidade e compromisso social, como a realizada semana passada, no Inep?

Renato Janine Ribeiro -
O que eu acho importante é discutir o compromisso social da universidade, muito mais em função do que ela realiza e para onde vai, do que em função, por exemplo, de quem é o dono da instituição - se é o Estado, a União, o município, ou se é uma instituição privada. É preciso pensar mais no resultado e menos na formalidade jurídica. Então, se nós temos uma apropriação do conhecimento que beneficia a sociedade, isso é uma coisa. Se nós temos um curso universitário gratuito, mas cujos resultados perpetuam ou acentuam a desigualdade social é outra coisa. Por exemplo, no caso do Direito, se você tem uma instituição pública formando alunos que vão basicamente auferir lucro através do Direito mais voltado para as empresas, isso não tem o mesmo efeito social do que se você tiver uma formação voltada para direitos humanos e para Direito constitucional ou Direito trabalhista ou direitos sociais. Todas essas formações são legítimas - não tenho nada contra os direitos dos contratos - mas é preciso, quando se discute o sentido público da universidade pública, deixar claro que público não é apenas estatal e gratuito, mas pública é sobretudo a apropriação do conhecimento assim gerado.

JA - O que pode ser feito para que, efetivamente, a universidade “fecunde” a sociedade?

RJR -
Em primeiro lugar, seria importante as universidades definirem projetos que procurassem atender necessidades sociais inegáveis. Vou dar um exemplo, na questão da saúde. Nós sabemos o que mata mais e o que mata menos no Brasil. Nós podemos até ter dados sobre os custos de mortes. Podemos dizer: há certas mortes que poderiam ser evitadas a um preço mais barato do que outras... Muito provavelmente, salvar uma pessoa da morte por aids é mais caro do que salvar uma pessoa da morte por malária. Só que essa é uma doença mais popular, a outra é mais de classe média, e a gente sabe que existe um forte lobby junto à saúde pública em favor do dinheiro ir para doenças do perfil de classe média-alta. Então, essa é uma discussão importante que tem que ser feita. E como é que a universidade pode contribuir para isso? Pode contribuir discutindo e fazendo empreendimentos de saúde coletiva que indiquem saídas para o problema. Agora, algo é fundamental: não cabe à universidade, nem pública nem à privada, não cabe nem ao conceito de universidade, a partidarização. Uma universidade não deve fazer propostas carimbadas, de um lado ou de outro, de aplicação de recursos. Não cabe à universidade, por exemplo, defender políticas nitidamente do PT ou nitidamente do PSDB ou do PFL. Este não é o seu papel. A universidade pode definir as direções técnicas, pode esclarecer as diferentes opções políticas que há, mas não cabe a ela indicar só um caminho. Isso seria falso, seria errado. Agora, como ela pode fecundar a sociedade? Seria basicamente colocando a questão de quais são os interlocutores sociais dela. Com quem a universidade vai dialogar? Ela vai dialogar com empresas? Sim, deve dialogar com empresas, mas também deve dialogar com os movimentos sociais. Não há razão para nós acharmos legítimo que uma instituição universitária dê cursos de MBA para formar basicamente empresários executivos etc e considerarmos errado que ela dê um curso para filhos de sem-terra. A Unicamp deu um curso uns anos atrás para filhos de sem-terra, que eu achei positivo. Agora, a universidade será universidade se no MBA tiver professores de esquerda, além da dominância, que será certamente de defensores do capitalismo, de perfil mais conservador. E será universidade se um curso para os sem-terra tiver professores neoliberais. E esse é um ponto inegociável. É fundamental que você não partidarize a universidade.

JA - Como é que se faz essa fecundação da universidade para fecundar a sociedade?

RJR -
Não é que esse tenha que ser o caminho. Como estávamos discutindo no Simpósio, a universidade tem que ter um compromisso social importante. Então eu levantei isso como um desafio no seio da universidade. O que nós, que estamos dentro da universidade, podemos fazer por ela? Não é cortar cana. O que nós podemos fazer é aquilo que está mais vinculado àquilo que nós conhecemos. Não adianta você pegar uma pessoa de formação sofisticada e dizer: você vai colaborar numa coisa que não é da sua capacidade. Então, como a universidade pode contribuir com a sociedade? Em primeiro lugar tem que pensar muito nos currículos, no tipo de profissional que queremos formar. Segundo: no tipo de sociedade. Por exemplo, a questão das cotas. Embora o termo cota seja muito mal-visto, o fato é que nós precisamos nos acostumar com uma sociedade mais variada. Precisamos ter mais negros como nossos alunos, mais mulheres nas profissões de ponta e por aí vai. Há outros pontos que exigem mais discussão. Acho muito complicada, por exemplo, a questão dos índios, porque são populações muito pequenas. Qualquer forma de inserção dos índios na sociedade traz a questão de, se você, ao inseri-los na nossa sociedade, não está de alguma forma aculturando a sociedade deles. É uma questão delicada e não pode ser tratada no Brasil do mesmo jeito do que se você tivesse uma população majoritariamente indígena. A questão indígena no Brasil é totalmente diferente da questão da Bolívia ou Peru, que tem maiorias indígenas. Aqui no Brasil o risco que a gente tem é o de fazer uma perda de cultura – mas é bom lembrar que esta é uma entrevista a título pessoal, não está falando o diretor da Capes, mas um professor universitário. Até porque essa visão dos indígenas talvez não seja a do Ministério, mas isso não me impede de, a título pessoal, expressar minhas idéias a esse respeito. Então, uma das formas (de se fecundar a sociedade) é ter algumas propostas prioritárias nacionais, que tenham a ver com grandes problemas ou grandes anseios do País. Um grande problema do País é saber quais são as grandes doenças que matam as pessoas e o que causa essas doenças. O que falta? Falta vacina? Não existe vacina para a doença de Chagas? Outra prioridade: nossa alimentação é ruim? Quando eu era jovem, arroz, feijão e carne eram um crime contra a saúde. Hoje existe a convicção de que é uma excelente combinação de alimentos. Então, se o brasileiro se alimenta mal não é por deficiência do prato nacional, mas por deficiência de acesso. Então, como você faz para enfrentar isso? São questões suprapartidárias num projeto de país. Você pode divergir em vários projetos, pode haver soluções mais de direita ou de esquerda, mas caberia à universidade viabilizar tudo o que é técnico-científico e por outro lado esclarecer as opções políticas alternativas.

JA - O senhor diz que, ao contrário do que a sociedade pensa, a formação dos alunos de graduação não é o mais importante papel da universidade? Qual seria, então?

RJR -
Esse é um dos segredos da boa universidade. Para a população em geral, a universidade é só um lugar de formação de alunos de graduação. Mas, na verdade, para você ter uma boa universidade, é preciso ter ambiente de pesquisa. E um ambiente de pesquisa geralmente está ligado à pós-graduação. É muito difícil você ter um grupo de pesquisadores e não haver constantemente a seleção de novos alunos. O que é a pós-graduação, senão a idéia de que você vai constantemente agregando novos pesquisadores? O grupo de pesquisa não fica fechado, não envelhece, mas vai trazendo a juventude para o seu interior. Então, isso é uma coisa que é muito importante, no caso da universidade, porque é o que vai fazer com que os professores tenham um conhecimento mais apurado do que está acontecendo. Daí, a boa pesquisa e a boa pós-graduação repercutem positivamente na graduação. Agora, se tiver somente a graduação, sem a pesquisa de pós-graduação, você corre o risco de não ter essa boa formação dos alunos e, então, tem um problema grande. Mas a sociedade não tem noção disso. Para a maior parte da sociedade, o que a universidade faz é simplesmente a formação de profissionais...

JA - O senhor questiona a qualidade dos currículos, afirmando que é preciso despraticizá-lo, inclusive afirmando que, em muitos casos, o que parece ser um curso prático, na verdade é menos prático, no sentido em que, muitas vezes ele prepara para uma profissão que poderá mudar, em breve, ou, até mesmo ser extinta. Este não é um problema que um pouco sintoniza com o excessivo pragmatismo da sociedade como um todo? Quer dizer: não se está em um círculo em que, sem mudar a mentalidade utilitária e pragmática da sociedade, não se pode mudar o currículo e vice-versa?

RJR -
Eu acho que é preciso que as pessoas tenham uma noção melhor do mundo atual. Muita gente não tem ainda a noção do que é esse mundo atual e fala da necessidade de se ter um ensino mais prático, pensando que aquele ensino mais prático é aquele que vai te trazer de pronto uma formação, um diploma que vai servir para ascensão profissional etc. Esse é um grande erro porque, na verdade, nós estamos numa mudança muito grande em termos de mercado de trabalho. Com essa mudança no mercado, você não sabe mais, não apenas se o emprego vai permanecer, mas se a profissão vai permanecer. As pessoas começaram a perceber que empregos acabam, mas não perceberam que as profissões também acabam. Você tem profissões que podem sumir de um momento para o outro... Com os ganhos de produtividade que a informática proporciona, você tem profissões ou funções que somem. No caso do jornalista, por exemplo, há dez, 20 anos atrás, talvez os jornais brasileiros fossem piores do que hoje, mas eles tinham redações próprias, em todo o lugar do País. Hoje você tem um jornal, no interior, que é melhor do que antes porque terá as melhores informações internacionais e nacionais, mas tudo comprado das agências internacionais e dos grandes jornais brasileiros. Isso reduziu muito o mercado de trabalho... Mas fora isso, você pode acabar não só com o emprego, mas com uma profissão. O caso mais óbvio é a do ascensorista, uma profissão que está fadada a desaparecer, como a de cobrador de ônibus. E há profissões mais acadêmicas, até com canudo universitário como requisito, que também somem ou podem sumir. Então, ou você forma uma pessoa capaz de, nessas situações, se reestruturar, ou você vai fazer um curso universitário longo para formar alguém que, depois, vai sentir que o seu mundo caiu, que foi logrado.

JA- Perda de tempo, de investimentos...

RJR -
Perda de recursos e sobretudo um drama humano muito grande para muita gente.

JA - Nos anos 30, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset já alertava para o excessivo tecnicismo da formação superior. Em “Mision de la Universidad”, ele afirma que o papel desta instituição deveria ser precisamente ensinar o gosto por conhecer. Neste texto ele diz que foi necessário chegar o século XX para que se visse nascer um novo tipo de bárbaro, o especialista. Este é um bárbaro não porque conheça profundamente um determinado aspecto da realidade, um fenômeno ou um objeto, mas porque este tipo de conhecimento necessariamente o leva, por abstenção, a ignorar o resto do mundo. O senhor acha que um diagnóstico como este segue atual?

RJR -
Acho que tem razão, porque a universidade continua com um problema sério que é o problema de que toda a formação, hoje, está voltada para a especialização. Alguns percebem que isso está errado, mas veja, é muito comum, na universidade, no final do primeiro ano, o aluno já escolher o assunto que quer fazer depois, e isso me preocupa muito porque, no fundo, a pesquisa dele não é o que importa. Você não deve esperar muito do resultado concreto, de conteúdo, da pesquisa de um aluno de graduação. O que você deve esperar é da formação dele. Nós não estamos fazendo uma pesquisa, nós estamos formando um ser humano, e à medida em que a gente forma um ser humano a gente tem condições de fazê-lo ser mais capaz. Então, não me interessa tanto o aluno que, aos 19, 20 anos, encontrou sua vocação. Eu acho preferível esse aluno perambular um pouco e depois encontrar uma vocação que pode ser a dele por um tempo, também. Não precisa ser a dele a vida toda. Esses jovens que estão entrando na universidade têm uma expectativa de vida de 80, talvez 100 anos. Então, nós estamos falando de duração de 60 anos. Com 60 anos pela frente, ele tem tempo de ter filho, de parar dez anos de trabalhar para cuidar dos filhos. Se a mulher quiser realmente se dedicar por tempo integral a isso, ou o homem, dá tempo de exercer uma profissão, de ser bom nela, de trocar de profissão, completamente, e tudo isso pode ser muito bom... Então, querer correr demais e ter um foco muito depressa seria um problema para a meia-idade. Essas pessoas que escolhem com muita ansiedade o seu rumo vão ter uma crise, aos 40, talvez pior do que se tivessem perambulado um pouco pelas suas próprias curiosidades.

JA - Como foi a experiência de criação do curso experimental de Humanidades, na USP? Quais eram suas principais características e como foi sua recepção no mundo acadêmico?

RJR -
Foi uma experiência excelente, uma discussão muito boa. E também muito boa para perceber que isso não foi possível por ser muito difícil na universidade e talvez até mais na universidade pública do que na privada. O curso não foi criado e, ao fim de tudo, mesmo com a proposta construída, publicada em livro, as instâncias superiores da universidade não deram andamento. Então, foi uma boa lição de realidade. Existe no ambiente universitário brasileiro um fechamento à experiência que é muito grande, infelizmente!

JA - Esse projeto tem como ser retomado?

RJR -
Tem. Inclusive ele fecundou vários projetos, sendo o mais explícito o das faculdades Jorge Amado, uma instituição privada de Salvador, na Bahia, que faz a mais explícita referência a este curso. O projeto está publicado, dá para retomá-lo...

JA - Por que é importante um curso de Humanidades?

RJR -
O importante é você fazer a experiência de formar uma pessoa, em vez de treiná-la. Acho que a universidade deve formar e o mercado de trabalho treinar. Se um jornalista vai trabalhar na Veja, vai aprender o texto de um jeito; na Istoé de outro. Agora, não há nenhuma necessidade de a universidade dar este tipo de detalhamento, de rotina ao estudante. Isso, o empregador dá em 20 dias, um mês, dois meses. Agora, a formação é algo que exige uma distância disto tudo, que exige capacidade até de mudar. Por exemplo, se você tem como mudar de um estilo para outro e saber também o que está por trás de um estilo e de outro. Então, essa é a diferença da universidade para um ambiente de treinamento. E hoje uma parte da formação universitária infelizmente está confundida com treinamento. Então um curso de Humanidades seria um alerta para evitar este tipo de coisa.

JA - Os goliardos, também chamados precursores do Renascimento, eram misturas de clérigos e leigos que fecundaram a sociedade européia com uma visão menos instrumental, mais gratuita e desinteressada da formação intelectual. Vindos do campo para a cidade, muitos desses estudantes não se adaptaram à vida clerical das universidades e abandonaram os estudos para viver nas ruas, contando com o conhecimento adquirido intra-muros. Este tipo de personagem não existe no Brasil, onde praticamente só se lê didáticos, paradidáticos, técnicos e a chamada para-literatura de auto-ajuda, exotéricos etc. Um problema como este tem solução no que se refere à responsabilidade da universidade com ele? A universidade brasileira não é cada vez mais clériga, neste sentido, intra-muros, e fechada à criatividade e a invenção, vindas de fora?

RJR -
Acho que é um movimento mundial. Há uma formação muito voltada para o utilitarismo imediato, há uma deturpação muito grande de valores. Por exemplo, em termos de formação você tem muito mais a idéia de que uma pessoa vai funcionar se ela fizer um trabalho que dê um resultado imediato do que se ela tiver um trabalho tortuoso... Nós precisamos nos preparar para uma cultura em que as mudanças e rupturas serão muito mais freqüentes do que no passado. Então, isso vai ser muito doloroso, num certo sentido, e muito emancipador em outro. Isso vale tanto para as relações amorosas quanto para os impactos profissionais. Se nós soubermos fazer isso nós temos como construir, por exemplo, uma coisa que me interessa estudar hoje, que é uma ética da separação. Nós não temos uma ética da separação, nem para a separação profissional nem para a separação amorosa... É preciso construir este tipo de coisa. Então, quando você fala nos goliardos, o que você tem? Você tem uma pessoa que fez uma formação acadêmica, mas que teve um resultado não-óbvio, não-trivial. Por exemplo, eu posso fazer um curso de Direito e jamais vir a ser um advogado e no entanto posso ter algum resultado disso. Chico Buarque de Hollanda fez Arquitetura. Quem disse que o curso de Arquitetura foi inútil para ele? Por outro lado, se se tem uma formação menos tecnicista, nos anos de ouro, aos 20 anos de idade, pode-se ter uma formação muito mais abrangente. Depois, se ele decide ser arquiteto, aos 25 anos, ele faz a parte técnica. Poderia ser melhor. Se a gente tivesse um esquema de universidade em que você estudasse aquilo que vai ficar, mesmo que você não faça aquela função – que depois, no final do curso, nos dois anos posteriores você faria, como treinamento, propriamente dito - a gente ganharia. Hoje há um desperdício muito grande, apontado, muitas vezes, para uma direção errada. As pessoas pensam que o desperdício se resolve ao se eliminar a evasão, mas a evasão é o efeito. A evasão é, às vezes, até um sinal de vida. É sinal de que as pessoas estão procurando outra coisa, que aquilo não dá, não porque tecnicamente não está estruturada. É porque, hoje, você não pode pedir a uma pessoa com 18, 20, 22 anos, ou mesmo mais, que ela compre um voto, como um voto clerical de dedicação eterna à sua direção profissional. Isso não pode.

JA - A Unesco diz que para que existam leitores em um país são necessários três fatores. 1. O livro deve estar em lugar de destaque no imaginário nacional. 2. Devem existir famílias de leitores e 3. Devem existir escolas que saibam formar leitores. Não parece que, desses três fatores, aquele que pode ser transformado mais imediatamente é o da relação da escola com a leitura? Como o senhor lembra em “Apresentação ao curso de Humanidades na USP”, o brasileiro não lê Dostoievski, Gogol e outros porque a literatura é vista de maneira instrumental para que se aprenda uma língua e os grandes autores russos só nos chegariam no caso de existir o ensino de russo nas escolas... A solução para este problema parece passar por uma formação mais ampla do professor?

RJR -
Não tenho certeza se o fato de Dostoievski não ser lido está ligado a uma visão utilitária... Porque às vezes é a questão da mania acadêmica dos pré-requisitos, que você tem que aprender a língua antes de aprender a literatura. Então, a idéia de uma leitura descompromissada, por prazer, não vai muito no horizonte de uma boa parte da academia. A maior parte da academia tem um certo horror ao prazer. Você vai ter prazer lendo? Você vai fazer um currículo para ter prazer? Você nota que o mais provável é que as pessoas falem em leituras obrigatórias do que leituras prazerosas. E é mais provável que uma pessoa vá fazer um curso de Direito, que pode ser um curso difícil e do qual, no estado de São Paulo 92% serão reprovados no exame de ordem, do que um curso de Cultura Geral, que poderia trazer muito mais à vida dela. Agora, quanto à questão dos três fatores, que eu acho muito boa, algumas escolas promovem a leitura, sim, mas ela não tem destaque no imaginário nacional. Nem as tradições de leitura vão além de algumas famílias. Na verdade, nós temos um imaginário que constantemente retorna à idéia de que ler é uma coisa chata. No meu livro O Afeto Autoritário, que eu lancei este ano, sobre televisão, eu comento um programa da Sandy e Júnior. Nele, havia uma discussão sobre se os esforços da escola deveriam ser feitos para se ter uma biblioteca ou para uma festa, não lembro bem. Bom, mas você passa a ter uma idéia de que leitura é uma coisa chata. E a mídia passa muito essa idéia. Eu acho que a maneira de lutar contra isso não é defendendo a tradição da leitura, mas é deixando claro que você só consegue ser interativo com a mídia, ou seja, separar o joio do trigo e escolher o que realmente é bom para você, se você mesmo for multimeios. E um dos meios que você tem que ter para ser multimeios é o meio da leitura. Ou você domina a leitura ou a chance de ser passivo é muito grande. Das formas do trato com o conhecimento não-científico - o conhecimento cultural - a leitura é uma das mais ativas, então nesse sentido nós precisamos de políticas de incentivo, de barateamento e disponibilização do livro, mas nós precisamos, antes de mais nada, de lutar por um lugar do livro no imaginário e isto exigiria muita conversa com o pessoal da mídia. Você pode ter canais de tevê que fazem um trabalho muito meritório, acessoriamente, de promoção da cultura, como é o caso da Fundação Roberto Marinho, o canal Futura, da Globo, mas no eixo principal esta questão não está presente. Aí está um problema. Não adianta culpar a Globo por isso. É um círculo vicioso. A Globo sabe que, se ela começar a apostar numa visão de leitura, ela perde público.

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